• Conheça nosso jeito de fazer contabilidade

    Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Vestibulum sit amet maximus nisl. Aliquam eu metus elit. Suspendisse euismod efficitur augue sit amet varius. Nam euismod consectetur dolor et pellentesque. Ut scelerisque auctor nisl ac lacinia. Sed dictum tincidunt nunc, et rhoncus elit

    Entenda como fazemos...

Notícia

Venda de participação societária não é cessão

A ampliação do conceito de cessão, sem base legal clara, levou a um enquadramento automático de operações de venda de participação societária como se fossem contratos de natureza temporária ou de exploração econômica contínua

A Receita Federal tem reiterado um entendimento que desafia não apenas o bom senso jurídico, mas também a coerência sistêmica da legislação tributária: a aplicação do percentual de presunção de 32% sobre receitas decorrentes da alienação definitiva de participações societárias por pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido.

Esse entendimento foi manifestado em recente Solução de Consulta Cosit nº 18/2025 e vem sendo aplicado desde a edição da Solução de Consulta Cosit nº 347/2017 e 7/2021, que passou a incluir as alienações definitivas de bens incorpóreos no conceito de cessão de direitos. A ampliação do conceito de cessão, sem base legal clara, levou a um enquadramento automático de operações de venda de participação societária como se fossem contratos de natureza temporária ou de exploração econômica contínua.

O problema é que tal raciocínio ignora o critério essencial da natureza do negócio jurídico. A alienação definitiva de participações é, por essência, um contrato de compra e venda de bem incorpóreo, com efeitos jurídicos idênticos à transferência de bens corpóreos — operação que sempre esteve submetida à regra geral de presunção: 8% para o IRPJ e 12% para a CSLL.

Ao tratar como equivalente uma operação de venda definitiva de bens incorpóreos com cessões onerosas e temporárias de direitos, a Receita promove uma ampliação indevida da norma de exceção. O resultado é a distorção do próprio sistema do lucro presumido, que se organiza a partir de regras gerais e hipóteses específicas de presunção majorada apenas em atividades de serviços ou intermediação, nas quais a margem efetiva é presumivelmente maior.

Curiosamente, a própria Receita, na Solução de Consulta Cosit nº 42/2015, reconheceu que a venda de mercadorias, mesmo quando conjugada com prestação de serviços, deve ser segregada e tributada com base nos percentuais da regra geral. Causa, portanto, perplexidade que a venda de um bem incorpóreo, como uma participação societária, receba tratamento mais gravoso que a venda de um bem corpóreo. E mais grave: sem que a lei tenha estabelecido essa distinção.

Limites do ordenamento

O argumento de que a norma não diferencia cessões provisórias ou definitivas não autoriza a administração a ignorar o conteúdo jurídico da operação. A Constituição e o Código Tributário Nacional são claros ao vedar a alteração de conceitos de direito privado para fins de incidência tributária. Se a alienação definitiva se equipara à compra e venda, e se esta está sujeita à regra geral de 8% e 12% de presunção para a apuração, respectivamente, do IRPJ e CSLL, não há base legal que autorize a aplicação do percentual de 32% para ambos os tributos.

O cenário revela também uma insegurança prática. Caso prevaleça essa interpretação, qualquer operação de venda de bens incorpóreos — como cessão definitiva de marcas, patentes, softwares ou quotas — poderá ser submetida à presunção majorada. Isso esvaziaria a regra geral do regime do lucro presumido, tornando as exceções majoradas mais abrangentes que a própria regra geral, sujeitando o contribuinte a um aumento de carga sem alteração legislativa.

Há no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) decisões reconhecendo que apenas a cessão temporária de bens ou direitos pode ser enquadrada na hipótese de presunção majorada. O que se observa, portanto, é mais um exemplo da tendência da Receita de ampliar interpretações para além dos limites legais — prática que compromete a previsibilidade do sistema e impõe custos indevidos ao contribuinte.

O tema merece debate não apenas pelo impacto financeiro, mas porque evidencia um ponto sensível da relação fisco-contribuinte: o dever da administração de interpretar e aplicar a norma conforme os limites do ordenamento. Afinal, não há segurança jurídica possível quando a própria Fazenda ignora a distinção elementar entre cessão e venda.